Faxineira aprende a escrever aos 50 anos e vence concurso de poesia

Nilza Marques, de Venâncio Aires, começou a luta pela vida aos 7 anos, pelo cabo da enxada, e agora empunha a caneta para recomeçar
A briga de Nilza Marques pela vida começou pelo cabo de enxada aos 7 anos, na roça de uma comunidade distante do centro de Passo do Sobrado. Ela cresceu com oito irmãos, dividiu com a mãe a responsabilidade por eles e aos 12 anos foi para a cidade para não passar fome. Trabalhou de babá em Santa Cruz do Sul, e quando a idade permitiu enfrentou a esteira de uma fumageira em Venâncio Aires. Durante o dia carregou fardos de tabaco e à noite cuidou dos filhos de outra pessoa. O estudo considerava pertencente aos outros. De papel, até então, apenas a fragilidade dos seus direitos.
Aos 50 anos, Nilza recomeçou. A partir do incentivo de uma família para quem trabalhou, virou aluna da Educação de Jovens e Adultos (EJA) da Escola Municipal de Ensino Fundamental (Emef) Dois Irmãos, de Venâncio Aires.
Quatro anos se passaram e seus olhos passaram a revelar mais do que antes. O destino dos ônibus passou a ficar claro na frente do ônibus. Os preços dos alimentos foram revelados. E a alfabetização a fez entender e escrever seu passado.
A briga pela vida, marcada no papel com a ajuda da professora Silvania Carvalho, foi o início do recomeço, palavra que estampa a parte mais alta do poema vencedor do 12º Concurso Literário de Venâncio Aires, realizado durante 22ª Feira do Livro.
“Aprendi muita coisa e quero aprender muito mais”, declara Nilza, que tem o apoio de colegas e dos chefes do laboratório Gassen, de Venâncio Aires, onde trabalha como faxineira. “Tenho muito a aprender no EJA, mais dois ou três anos, e depois eu vou pensar no próximo passo. Se eu tiver forças quero aprender muito mais”.
“O prêmio representa a grandeza da pessoa”
Leila Gassen, sócia-proprietária do laboratório, é testemunha do esforço de Nilza. Para ela, esse prêmio representa a grandeza da pessoa. “Nesta idade conseguir trabalhar e se esforçar tanto, de onde ela veio, é admirável”, declara. “Um esforço tremendo pra chegar onde chegou”, finaliza.

Leia a poesia de Nilza
“Recomeçar
Meu nome é Nilza, minha história vou contar
Com 7 anos apenas, comecei a trabalhar
Isso me afastou da escola e não pude mais estudar.
Por ser de família humilde, aos 12 anos fui trabalhar
Em uma casa de família, como babá.
Por sair cedo da escola
Não aprendi a ler
Cresci, e meu sonho
Achava que não ia acontecer
Foi então que um certo dia
Em uma casa fui trabalhar
Por não saber assinar meu nome
Minha patroa quis me ensinar
Apesar de ser difícil
Tinha vontade estudar
Meu horário não fechava
Por isso ficava a esperar
Até que um certo dia
Meu horário mudou
Fui na escola Dois Irmãos
E a vice diretora me matriculou
A partir daquele dia
Minha vida mudou
Estou aprendendo a ler
E a escrever como sou
Hoje leio Bíblia
Faço nota do mercado
Leio o preço das coisas
E tudo se transformou
Tenho certeza que ainda, muito vou aprender
Tenho 54 anos, muitos livros quero ler
Como diz nosso poeta, nunca é tarde para aprender.
Ouvi poemas de Bráulio Bessa
Que a professora levou
Vi que a leitura aproxima
E isso me motivou.”
Nilza Marques
Reportagem: Leonardo Heisler/Agora no Vale
Colaboração: Cristiano Wildner/Folha do Mate
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