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A ação do MP que mudou a história da pandemia em Lajeado


Por Redação / Agora no Vale Publicado 15/10/2020
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Contrariando até mesmo a essencialidade, prevista em lei para as indústrias da alimentação, promotoria de paralisou fábricas com o objetivo de salvar vidas, em meio ao caos provocado pela Covid-19

por Carine Krüger
redacao@agoranovale.com.br

O mês de maio de 2020, iniciou-se com uma incerteza no que se tratava dos cuidados com o novo coronavírus, pois gerou motivo de preocupação nos gabinetes do Ministério Público (MP) de Lajeado. Ao ver os números de casos confirmados dobrarem em menos de uma semana, crescendo em uma progressão geométrica, o promotor de Justiça Sérgio Diefenbach não teve dúvida de que algo deveria ser feito. Ele tinha certeza de que existia, pelo menos, dois focos de contágio no município e a omissão não poderia ser uma escolha. Ele contrariou até mesmo os decretos de calamidade pública e pediu o fechamento e suspensão temporários do trabalho na planta da BRF e a redução à metade, da operação da Minuano, duas gigantes na produção de proteína, consideradas as principais indústrias de Lajeado, que na época caminhava para ser o epicentro da pandemia no Rio Grande do Sul.

“Desde o início da pandemia, o Ministério Público passou a acompanhar os movimentos do poder Público e, também, a situação e a evolução dos casos junto aos serviços de saúde, como postos, UPAs e hospitais. Os casos começaram a aumentar e a capacidade de atendimento era limitada. Poucos testes eram feitos e o monitoramento dos casos indicava, claramente, dois focos de surto”, recorda Diefenbach. Segundo ele, o desconhecimento generalizado da doença empurrava Lajeado para o abismo, com aumento no número de mortes e internações hospitalares, que seguiam crescentes.

Além disso, vivia-se a insegurança do fechamento do comércio e a restrição a outras atividades comerciais de ser serviço. Ao reparar na capacidade do hospital de Lajeado, referência para 36 municípios da região, o promotor teve certeza – ao atingir a dramática marca de 80% de lotação, o momento da ação devia ser aquele. O mês de maio poderia ser o divisor de águas entre o caos e o enfrentamento à doença. “Percebendo o aumentos dos casos e a insuficiência das medidas tomadas, somado à ausência de protocolos mais claros a serem seguidos naquele momento, após vistorias técnicas e audiências com todos os envolvidos, ouvidos os colegas da região, o Ministério Público optou pelo ajuizamento de duas ações para a interrupção das atividades por um período”, disse. As ações resultaram no fechamento em um curto período de uma semana, toda a fábrica da BRF. Após o retorno, com o cumprimento de uma série de medidas, apenas 50% dos funcionários retornaram aos seus postos.

No frigorífico da Minuano, durante 15 dias, passou-se a trabalhar com apenas metade da capacidade de abate e processamento de carne de frango. “Foi uma tarefa muito difícil, pois além de ser uma atividade econômica gigante, tinha a questão jurídica. Agimos como devíamos agir naquela hora.”

Promotor de Justiça Sérgio Diefenbach

“Tive medo de morrer, mas sobrevivi para contar”

Márcia Marlise Nied, 46 anos, foi uma das primeiras pacientes na cidade a ser internada na ala de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) Covid, do Hospital Bruno BORN de Lajeado. Ela é um recorte da situação classificada como “dramática” pelo promotor de justiça Sério Diefenbach. Entubada e inconsciente, por 27 dias, Márcia ficou “entre a vida e a morte”, como gosta ela de destacar, mas hoje é uma sobrevivente.

Para ela esse tempo no hospital foi de repensar, orar e agradecer à vida. “Tive muito medo de morrer, mas sobrevivi para contar.”

Márcia Marlise Nied, foi uma das primeiras vítimas de Covid em Lajeado

Márcia foi até o hospital, no dia 27 de abril, para uma simples consulta pois sentia-se muito cansada e com dores no peito. O que não imaginava é que essa procura precoce foi o que a salvou. Ela passou por tratamento e isolamento. O único contato que a paciente tivera, fora com a equipe médica. Só abraçou e viu pessoalmente a família depois de quatro semanas: no sábado dia 23 de maio.

Ela conta que no momento da consulta, começou a sentir dores mais fortes e logo foi internada dois dias depois encaminhada para a UTI. “Nas primeiras semanas, fiquei inconsciente. Lembro apenas de sonhos que tive. Mas esses dias foram como se não existissem na minha história.” Além das dores e medo, o grande sofrimento era a distância de quem A amava.

A lajeadense permaneceu na unidade intensiva até dia 19 de maio e depois foi transferida por mais quatro dias a um quarto comum, concluindo a recuperação da Covid-19. “É uma experiencia que não desejo para os outros. Cinco meses depois ainda sofro.” Márcia atesta isto pois, mesmo considerada curada, ela guarda sequelas no corpo, ou seja, uma das pernas e alguns dedos ficaram dormentes e as dores na região lombar da coluna são consideradas por ela insustentáveis.

O retorno ao trabalho está sendo lento. Apenas, agora em outubro – passados cinco meses – Márcia retorna a vida profissional, como atendente no comércio. Ela não sabe de quem pegou coronavírus E, também, não culpa ninguém. Entre todas as incertezas da comerciária, a medida do Ministério Público, de afastar os trabalhadores da fábrica, foi essencial naquele momento para estancar o avanço do vírus e garantir que menos pessoas passassem pela difícil jornada enfrentada por ela.

Estar fora de controle seria o caos regional

Ambas empresas empregam trabalhadores de Lajeado e de cidades vizinhas. O trânsito dentro e fora das plantas industriais era outra preocupação. Com o crescimento dos casos, sem uma interrupção na atividade, a contaminação em outros municípios seria inevitável.

O risco iminente de contágio dentro das empresas ocorria por conta das características do trabalho. Ambiente frio, úmido, com pouca ventilação e aglomeração de pessoas, todos predicados para o crescimento do contágio. “Existia um perigo e um temor muito grande que o vírus pudesse se espalhar para famílias inteiras, na carona dos ônibus, dos trabalhadores das indústrias.”

Lajeado foi uma das primeiras cidades do Estado a enfrentar a pandemia de coronavírus em uma fase em que havia ainda pouca experiência no Brasil de como lidar com a situação. No fatídico mês de maio, houve momentos em que o município chegou a liderar o ranking de casos confirmados no Rio Grande do Sul e esteve inclusive entre às 20 cidades com maior número de casos no país.

Médico e vice-presidente do Hospital Bruno Born de Lajeado, Marco Rogério de Castro Frank

E a área da saúde era a que estava à frente de todo esse combate. “Nesse período também estivemos entre as três cidades com maior mortalidade por Covid-19 no estado junto com Passo Fundo e Porto Alegre”, lembra o médico e vice-presidente do Hospital Bruno Born de Lajeado, Marco Rogério de Castro Frank. Segundo ele, este cenário acabou sendo uma prova de fogo para o hospital que compartilhou o dilema com o poder Executivo, o Ministério Público e o Judiciário.

Frank destaca que a ação movida e a negociação promovida pelo Ministério Público com os frigoríficos de abates de aves e suínos de Lajeado foram difíceis, mas importantíssima no contexto do controle e enfrentamento à pandemia. “Percebeu-se que um cluster de casos se iniciava nos frigoríficos. Esses foram os dias mais difíceis, pois chegou a haver fechamento empresas com um risco de colapso em toda rede integrada, já que são milhões de animais abatidos por semana.”

O médico destaca que a intervenção do MP foi crucial para se perceber com clareza a importância da realização de testes para facilitar o diagnóstico e o isolamento precoce.

Agora, passados sete meses, o médico diz que todos os envolvidos aprenderam a lidar melhor com o vírus, “a cidade respira mais aliviada e aos poucos retorna a sua normalidade.”

O fiscal do poder Público

Diefenbach completa, em 2020, 30 anos de Ministério Público. Ele iniciou a carreira em Santiago, na região Centro do Estado, mas há 15 anos atua e mora em Lajeado, no Vale do Taquari. Pensando no bem-estar da comunidade que o reconhece como lajeadense que de fato se tornou, o promotor entende que cumpriu seu dever.

Transformou-se em uma espécie de fiscal do poder Público, colocando o Ministério Público como agente na

garantia de ações que preservassem a saúde da população e o funcionamento saudável do sistema hospitalar e ambulatorial. “Tema complexo que é, de natural comoção social e econômica, certamente permitirá críticas pela ação ou omissão de todos os atores envolvidos; o que é natural no estado democrático de direito. Foi e está sendo uma grande prova de todos os nossos serviços e da nossa forma de convivência coletiva”, avaliou.

Das cicatrizes causadas pelo impacto econômico e social nas empresas, o promotor acredita que uma nova relação entre o MP e as indústrias nasceu de um parto delicado na pandemia. “Estamos construindo soluções para outras situações envolvendo as empresas e seus trabalhadores. É com orgulho que eu olho para este cenário, que após uma decisão judicial se transformou em um novo olhar, uma nova relação com estas indústrias”, complementou.

Taxa de recuperação acima da média

Até a última atualização, Lajeado figurava entre as 18 cidades com maior incidência do novo coronavírus no Estado. É o 13º município em número absoluto de casos e a 99ª colocada na quantidade de mortos.

Segundo a Prefeitura Municipal de Lajeado, o primeiro caso confirmado de contaminação com a Covid-19 ocorreu em 21 de março. Pouco mais de um mês depois, em 24 de abril, já eram 43 casos e duas mortes. Uma semana depois o número havia mais que dobrado e o município havia perdido cinco pacientes para a doença.

Na última atualização disponível, o total de casos confirmados no município, em 13 de outubro, era de 3.742, com 44 mortes. Com número caindo, atualmente 73 pacientes estão em tratamento, cumprindo isolamento domiciliar e a taxa de recuperação acima da média estadual. No Rio Grande do Sul, o incide de pacientes curados do novo coronavírus é de 94%. Em Lajeado, a taxa de recuperação é de 96,8%.