Aposentado, construtor de relógios dá valor ao tempo
Conheça a história de Olavo Scherer, 82 anos, morador de Santa Clara do Sul
Olavo Scherer, 82 anos, dedicou parte da vida a monitorar o tempo, e agora passa os dias na oficina que ainda conserva na fachada os extintos serviços de tornearia. De sua cadeira pode ver os quatro últimos relógios construídos por ele. Parece o guardião das raridades – confeccionadas em uma mistura minuciosa de madeira entalhada e de metais forjados – as quais estão perfiladas e ajustadas de maneira que possam se revezar na orquestra a cada 15 minutos. Todos são únicos, e pesam o suficiente para evitar que alguém os leve de lá com pressa.
Seu sorriso escondido na iluminação modesta do prédio só começa a se destacar no ambiente durante sua caminhada até a larga porta, aberta para a ERS-413, na entrada de Santa Clara do Sul, onde ele cumprimenta quem passa por ali. Está arrumado, de camisa social abotoada, calça passada e cabelos penteados sem que tivesse esquecido um fio.
Seus passos combinam com pesados, mas precisos pêndulos que movem ponteiros de quase um metro de comprimento. “Se pudesse voltar os ponteiros 50 anos atrás, venderia um deles”, disse o aposentado, ao estender a mão ao visitante, e após, mais uma vez, se voltar para suas criações. “Mas como não posso mais trabalhar, esses vão ficar comigo”, resume o aposentado. Essa constatação escancara o que o tempo representa para ele, uma espécie de nostalgia somada à necessidade de valorizar aquilo que se construiu e aproveitar ao máximo o presente.
Sua tranquilidade e paciência permite uma conversa longa acerca de detalhes técnicos sobre o funcionamento das engrenagens. Sem pressa, tira todas as dúvidas.
Cada peça daqueles relógios foi pensada por ele do zero. Teve que descobrir por conta o funcionamento dos mecanismos e sincronizar cada segundo para poder elaborar suas obras.
Um dos relógios tem até calendário e faz o desenho do planeta Terra girar em seu eixo. Deste, o autodidata mostra a parte posterior, e revela que cada uma das 43 engrenagens foi forjada por ele, o que lhe tirou o sono durante seis meses, além do trabalho de dois turnos exaustivos. “O melhor momento para encontrar soluções é na hora de dormir”, relata.
Após um tempo de conversa, Scherer faz questão de mostrar outro relógio que guarda em casa, na cozinha. No pêndulo deste, há uma fotografia que representa hoje o que é de mais sagrado para ele: o bisneto, de dois meses. Da mesma forma que as engrenagens que marcam o tempo, ou que seus cata-ventos marcam no pátio a infinidade do vento, sua família sempre continuará a se mover pelo tempo. “Minha família é o que mais me dá orgulho”, finaliza.
Da bananeira ao relógio de R$ 40 mil
O apreço pelas construções manuais começou na infância, em uma roça onde hoje é o bairro das Indústrias, em Lajeado, e diante dos protestos da mãe. Com uma faca de cozinha e o cerne de uma bananeira, sentado na terra quente, o menino talhava diversos brinquedos, como carroças com rodas removíveis (ainda não havia visto automóvel). Também fazia cata-ventos e até pequenas rodas d’água.
Com o tempo, aprendeu a combinar madeira e ferro, o que lhe garantiu o sonho de viver longe da roça. Pôde construir com suas mãos as ferramentas para facilitar o trabalho dos demais.
As décadas seguintes foram dedicadas à construção de todos os tipos de equipamentos, desde plantadeira até perfuradores de poço artesianos.
A ideia da construção dos relógios veio com a aposentadoria, em 1988. Diversos foram vendidos para todo o Estado. Cinco deles enfeitam lojas em shoppings de Porto Alegre, e outros 35 estão em igrejas da região. Um dos que restou está avaliado em R$ 40 mil, mas este ele não vende.
por Leonardo Heisler
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