Você não precisa de um advogado


É isso mesmo, você não precisa de um advogado para fazer o pedido da maioria dos seus direitos. Para fazer um pedido no INSS você não precisa de um advogado; para fazer um recurso ao DETRAN também não; até para ingressar com uma ação judicial trabalhista ou cível não é necessário contratar um advogado. Você pode PEDIR seus direitos sem o advogado, mas para GARANTIR seus direitos a situação é diferente.
É extremamente lamentável a campanha realizada pelos órgãos públicos para que você TENTE buscar seus direitos sem advogado. O INSS é um exemplo. Já foram realizadas campanhas no órgão afirmando que “você não precisa de intermediários” para fazer seus pedidos. Exato, você pode fazer seus pedidos sozinho, mas para GARANTIR o direito você precisará de um advogado. Somente em 2018 foram ajuizados contra o INSS 1,74 milhões de processos! São 1,74 milhões de casos onde o INSS NEGOU direitos ao cidadão que TENTOU buscar o que lhe era devido.
Com o DETRAN a situação é parecida. Você não precisa de um advogado para fazer seus recursos de multa, nem para um pedido administrativo para apresentar o condutor fora do prazo – por que a notificação foi recebida com atraso -. Você vai CONSEGUIR? Dificilmente. É o que vemos toda a semana: a pessoa tenta sozinha, não consegue e depois procura o advogado para resolver o problema – as vezes tarde demais.
O Governo Federal também faz parte do movimento, lançou há poucos anos a plataforma consumidor.gov.br. Lá, o consumidor que se sentir lesado faz um pedido diretamente à empresas para “resolver com um acordo”. As líderes no ranking de reclamações são empresas de seguros, como a Bradesco Seguros. Pergunto: você realmente acredita que vai garantir todos os seus direitos em um acordo diretamente com as empresas que já negaram seu seguro?
Em todos os casos o cidadão não têm como conseguir um bom resultado ou um bom acordo que garanta seus direitos por que NÃO CONHECE TODOS OS SEUS DIREITOS. Essa é a grande questão! É absurdo esse movimento que tenta colocar o cidadão como protagonista na busca pelos seus direitos, pois ele não sabe todos os direitos que possui.
Mais absurdo ainda é o movimento inaugurado pelo Poder Judiciário chamado “Juizado Especial Online” que “permite que o cidadão, desacompanhado de advogado, encaminhe reclamação para os Juizados Especiais Cíveis […] em CAUSAS CONSIDERADAS SIMPLES”. É absurdo e inadmissível o movimento em tentar levar o cidadão comum ao judiciário sem a presença de um advogado, absurdo!
Quer um exemplo de “causa considerada simples”? Vamos imaginar que você possua um cheque para cobrar judicialmente e que você irá ingressar com a ação sozinho: será uma ação de execução de título extrajudicial, locupletamento ilícito, cobrança ou monitória? A diferença entre elas está no prazo prescricional e na necessidade ou não de apresentar a causa debendi. O prazo prescricional inicia a contar da data lançada no campo próprio ou no famoso “bom para”? Se houver endosso de pessoa jurídica trata-se de cessão de direitos, que vai resultar em uma demanda extinta, que sem a citação válida fará com que o prazo prescricional flua e o título perca sua executividade. Achou muito complicado? Pois é apenas a ponta do iceberg de uma simples ação para cobrar um cheque sem fundos. Para o judiciário, essa é uma “causa considerada simples”.
Ingressar sozinho com uma ação judicial é cavar uma cova para enterrar os seus direitos! De tempos em tempos alguém nos procura afirmando que ingressou com um processo sozinho e agora, precisa de um advogado pois “o Réu contestou, fez um contrapedido, e teremos audiência de instrução com pedido de depoimento pessoal”. Obviamente quem fez o pedido sozinho, por não ter conhecimento técnico, falhou na elaboração da petição inicial e na descrição dos fatos: dados e informações importantes estão faltando, ou foram expostas em excesso na peça inicial. E é muito difícil tentar “salvar” um processo mal iniciado; geralmente o que começa mal termina mal.
Ainda, existem os movimentos “conciliatórios”, que tentam resolver os litígios com conciliações entre as partes – sem advogados. Mas como você irá fazer um acordo se não sabe quais são os seus direitos? Existem casos onde o cidadão faz um acordo por valor correspondente à 20% do que deveria receber.
A presença de um advogado vai dificultar a realização do acordo? Em muitos casos sim! É nosso papel orientar, esclarecer e, em muitas vezes, afirmar que a realização do acordo não é a melhor opção no caso concreto, principalmente quando o cliente será extremamente prejudicado!
A palavra final é do cliente, e se ele quiser acertar a proposta de R$ 3.000,00 em danos morais pelo acidente que lhe obrigou à passar por duas cirurgias e lhe prejudicou o movimento de uma perna, ele poderá realizar o acordo; contudo, é papel do advogado afirmar que, nesses casos, o Tribunal Gaúcho lhe concederia indenização bastante superior! O cidadão comum não sabe pesquisar a jurisprudência relativa à valores indenizatórios para compreender a posição do TJRS no caso concreto. Você sabe o que é jurisprudência e como realizar a consulta? A maioria dos leitores responderia com um grande NÃO!
Não se trata de afirmação contrária às tratativas conciliatórias ou de mediação; mas sim contra a realização de tais atos sem a presença de um advogado para orientar e esclarecer quais são os direitos do cliente.
Você compreende? Alguns órgãos públicos lhe aconselham a “buscar seus direitos sozinhos” pois sabem que, se você estiver acompanhado do advogado, eles pagarão muito, muito mais. Outros, querem “reduzir o número de processos” com “ferramentas” e acordos. No final das contas, o único prejudicado é o cidadão que em algum momento foi lesado.
E, conforme a cartilha do Cartilha dos Juizados Especiais Cíveis, você pode, sozinho, entrar com uma ação para discutir questões relativas, por exemplo, à inscrição indevida no SPC/SERASA. Querido leitor, você sabe que em casos de inscrição indevida no SPC/SERASA você pode optar por ingressar sem advogado pelo JEC ou com advogado pela Justiça Comum? Sabia que, no JEC, o valor arbitrado pelo Tribunal Gaúcho é geralmente três vezes menor do que quando arbitrado pela Justiça Comum? Estamos falando em um processo, sem advogado, onde o dano moral é apontado em R$ 3.000,00, e com advogado pela Justiça Comum, em R$ 10.000,00. A diferença é enorme!
Geralmente não escrevemos com tantos detalhes, principalmente acerca de valores de condenações – que sempre podem variar bastaste – mas hoje é necessário mostrar a realidade da situação. O cidadão geralmente perde, e perde muito, ao tentar buscar seus direitos sozinho!
Não se engane e não se deixe enganar, quem lesa seu direito não será “bonzinho” na hora de julgar o seu pedido ou lhe propor um acordo; e não existe “causa simples” para aquele que foi lesado. Para PEDIR os seus direitos você não precisa de advogado, mas para GARANTIR DIREITOS TODOS PRECISAMOS.
escrito pelo advogado
Luis Paulo Tonini
OAB/RS 103.389
A Cartilha dos Juizados Especiais Cíveis está disponível em: