“Você, cidadão, é o responsável pelo Caos Judicial”!


Leia a coluna desta semana advogado Luis Paulo Tonini
Embora o título deste artigo tenha como intenção lhe provocar para a leitura do texto, acredite, alguns realmente afirmam que somos nós os responsáveis pelo grande número de demandas judiciais e o atual caos judicial. Será?
O caso da Justiça Brasileira é complicado: sobram processos; faltam servidores, juízes e estrutura para julgá-los. A afirmação é antiga, e os números vem piorando: o judiciário está cada vez mais “abarrotado” de processos.
É neste cenário que alguns afirmam ao cidadão comum que este deve buscar resolver os seus conflitos fora do judiciário ou abrir mão de parte de seus direitos para que consiga um acordo e a demanda não se arraste por anos. Contudo, embora muitos discordem de mim, tenho que dizer: cidadão, busque seus direitos e não deixe que lhe afirmem o contrário!
Você sabe contra quem a grande maioria dos processos é direcionada? Estudo do CNJ apontou que bancos, operadoras de telefonia, órgãos de previdência como o INSS e órgãos municipais e estaduais são aqueles que mais possuem processos questionando suas decisões e ações em relação ao cidadão.
Não precisamos ir longe para compreender esta realidade. No Município de Lajeado/RS, somente nos últimos anos, nossa concessionária de água foi alvo de centenas de processos judiciais em razão de falhas no abastecimento e outros problemas relacionados. Municípios da região, por sua vez, também acumulam centenas de processos onde o judiciário reconhece ilegalidades das mais diversas, deste cobranças ilegais de tributos até a não atenção à direitos relacionados à saúde e educação. E, é claro, não podemos esquecer do INSS, que nega indevidamente benefícios como auxílios doenças e aposentadorias para a população todos os dias.
E as empresas de telefonia? E os bancos? E as seguradoras? Não é culpa do cidadão comum que o judiciário está cheio de processos. Não se pode culpar a vítima de um abuso de direito pelo processo que busca reconhecer a arbitrariedade! Deve-se, por outro lado, questionar o real motivo pelo qual tais órgãos e empresas, mesmo com o grande número de processos, insiste em lesar o cidadão. Você arriscaria dizer qual é?
Creio eu que o motivo é simples: na ponta do lápis, quando se analisa o número de pessoas lesadas e quantas realmente buscaram seus direitos, percebe-se que a grande maioria não reclama pelo que lhe é devido, e é mais vantajoso para empresas, bancos e órgãos públicos continuar lesando o cidadão, mesmo arcando com o pagamento daqueles poucos que buscaram seus direitos.
Creio eu que este seja um dos grandes motivos para que nós, cidadãos, sejamos tão lesados com cobranças abusivas de tributos, abastecimento de água e serviços de telefonia precários e não recebemos os resultados de anos de trabalho duro como deveríamos. Por óbvio, transferir para o cidadão comum a culpa por buscar a justiça dá resultado: a grande maioria não cobra do transgressor a devida reparação e os verdadeiros culpados continuam a desrespeitarem os direitos de todos, pois é mais vantajoso lesar o coletivo e indenizar os poucos que buscam a justiça. E não se engane, o judiciário raramente julga alguma ação procedente sem que algum direito realmente tenha sido lesado. “Espertinhos” não têm lugar no judiciário.
Certamente você conhece alguém que teve de buscar a justiça para se aposentar. A estimativa é de que o INSS responda há cerca de 1,6 milhão de processos judiciais por ano! Embora não possa se falar que todos esses processos sejam vencidos pelos contribuintes, sabemos que a grande maioria deles de fato é!
Leitor, pense em quantos desrespeitos a direitos sofremos nestes últimos tempos! São os serviços de telefonia que não funcionam corretamente quando precisamos utilizar e as dezenas de ligações feitas por centrais telefônicas automáticas que atrapalham nosso dia a dia. É chegar em casa no final do expediente de trabalho e perceber que não há água sequer para tomar banho. É buscar um atendimento médico, exame ou cirurgia e receber como resposta que não há previsão para a realização. É ter sua residência ou veículo sinistrado e receber a negativa de cobertura da seguradora. É descobrir que depois de muito sacrifício e trabalho duro, você enfrentará um processo de anos para garantir seu direito à aposentadoria, e enquanto o processo tramita por anos, você precisa seguir trabalhando, às vezes doente. Exemplos não faltam, a lista seria gigantesca.
Assim, não consigo pactuar com o pensamento de que é o cidadão comum que dá causa ao problema judicial. Creio que podemos tentar resolver questões administrativamente, mas, infelizmente, na maioria das vezes nosso direito somente é reconhecido pelo judiciário.
Melhor seria se nenhum litígio fosse instaurado nesse País, mas da forma como a situação está, não consigo deixar outra mensagem ao leitor além do incentivo à buscar os seus direitos e, sempre que se sentir lesado, consultar um advogado de confiança para esclarecimentos.
Quem sabe um dia seja mais vantajoso à grandes empresas e órgãos estatais respeitar nossos direitos do que desrespeitá-los, e então tenhamos uma vida mais digna e justa. Por hora, seguimos na luta.
Luis Paulo Tonini
OAB/RS 103.389