O caso DJ Ivis e a legitimidade da prisão preventiva


Tivemos recentemente o horroroso caso do DJ Ivis que agrediu, grave e covardemente, a sua esposa. Houve muita mídia em cima da situação, e inclusive de forma correta. O claro machismo estrutural em que vivemos só será combatido com o constrangimento público desse machismo, e a internet é uma ótima arma para isso.
No entanto, o desfecho do caso do DJ, que resultou em sua prisão preventiva, deve ser analisado de forma crítica e, principalmente, com observância a legislação infra e constitucional. Não podemos jamais deixar que uma situação, mesmo que na gravidade da situação em comento, nos faça esquecer o que prevê a nossa legislação.
O caso é grave, é estrutural e é difícil de ser combatido. Mas não é com uma ilegalidade que combateremos outra.
A prisão preventiva jamais pode ser aplicada como antecipação de uma possível penalidade. Não. A prisão preventiva possuí critérios específicos para a sua decretação, os quais estão contidos nos artigos 312 e 313 do Código de Processo Penal, verbis:
Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria e de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado.
§ 1º A prisão preventiva também poderá ser decretada em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares (art. 282, § 4o).
§ 2º A decisão que decretar a prisão preventiva deve ser motivada e fundamentada em receio de perigo e existência concreta de fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a aplicação da medida adotada.
Art. 313. Nos termos do art. 312 deste Código, será admitida a decretação da prisão preventiva:
I – nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos;
II – se tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, ressalvado o disposto no inciso I do caput do art. 64 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal;
III – se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência;
Conforme se percebe, a prisão preventiva poderá ser decretada para a garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal. Pois bem. Questiona-se: quais desses requisitos estavam presentes no caso do DJ Ivis?
Da mesma forma, não houve qualquer descumprimento de obrigações impostas por força de outras medidas cautelares, tendo em vista a inexistência de outras medidas cautelares. E, não bastasse isso, o inciso I do artigo 313, ainda, estabelece que a prisão preventiva somente será admitida nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a quatro anos. Ora, o crime praticado, em tese, é o previsto no artigo 129, §9º do Código Penal, o qual prevê uma pena de três meses a três anos, ou seja, a pena superior é abaixo da mínima para a decretação da prisão preventiva.
Nesse contexto, a menos que esteja demonstrado de forma inequívoca a necessidade da prisão preventiva do agressor, a fim de se manter a ordem pública, a conveniência da instrução (comprovando que o agressor esteja ameaçando testemunhas, ou obstruindo a investigação) ou para assegurar a aplicação da lei penal (comprovando que o agressor estivesse planejando fugir), a sua prisão é evidentemente ilegal. Frisa-se que tais provas podem ter sido colhidas pelos órgãos investigadores, no entanto não vieram ao público. O que se afirma aqui é que, com os fatos que vieram a público, a prisão do DJ Ivis é claramente ilegal.
Isso pode soar amargo para a maioria das pessoas, mas temos que entender, de uma vez por todas, que as garantias contidas no Código de Processo Penal, assim como na nossa Constituição Federal, não são nada mais do que uma limitação do poder punitivo do Estado. Sem essas regras, estaremos nas mãos do Estado. E se essas regras forem transgredidas pelo Estado, com o apoio da população, é como se elas não existissem.
Devemos sempre lembrar do famoso ditado: “pau que bate em Chico, bate em Francisco”. Ou seja, sempre que aplaudirmos decisões judiciais que vão de encontro ao que prevê nossa Constituição Federal, por mais que sejam convergentes aos nossos valores morais, abrimos uma porta a mais para que outras decisões ilegais sejam aplicadas, e estas outras podem ser divergentes dos nossos valores morais, e, então, não adiantará socorrer-se à nossa Carta Magna.
artigo escrito pelo advogado de Lajeado
Caetano Bertinatti
OAB/RS 105.697