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A defesa da democracia e a Constituição Federal


Por Redação / Agora Publicado 17/09/2021
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Há algum tempo, em certas manifestações, temo visto aparecerem pessoas reivindicando pelo fechamento do Congresso Nacional e do STF. Para tal atitude, pedem pela intervenção das Forças Armadas.

Não bastasse isso, para pior a situação, essas mesmas pessoas se dizem “defensoras da democracia”, alegando que a intervenção militar estaria prevista no então artigo 142 da Constituição Federal.

Pois bem. Vejamos o que diz o caput do referido dispositivo constitucional:

Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.

Segundo elas, a parte final do referido dispositivo constitucional legitimaria a intervenção das Forças Armadas, ou seja, para garantir a lei e a ordem. Através dessa narrativa, sustentam que as Forças Armadas seriam então o tal “poder moderador”. Esquecem, no entanto, que a Constituição deve ser interpretada como um todo.

Passamos a ter uma democracia a partir da promulgação da Carta Magna, em 1988. Foi a nossa Constituição quem instaurou o sistema democrático. Como poderia então, a própria Constituição, prever o fim da democracia, com a tomada do poder pelas Forças Armadas?

Nessa linha, ao falarmos em democracia, o pensamento que decorre é: i) eleições livres, alternância de poder, liberdade de pensamento, expressão e associação, entre outros. Além dessas características, em uma democracia, jamais poderá haver o esquecimento de um sistema institucional de freios e contrapesos no exercício do poder. E nossa Constituição prevê tais freios e contrapesos em seu artigo 2º, quando estabelece que “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.

Vejam bem, são poderes independentes e harmônicos! Como então poderia, a própria constituição, prever que, a pedido de um dos poderes, as Forças Armadas fechem os demais?

Com esses simples questionamentos, parece evidente que em momento algum o Poder Constituinte estabeleceu as Forças Armadas como um poder moderador. Mas então, continua a dúvida. O que quis a nossa Constituinte dizer com “As Forças Armadas (…) destinam-se à defesa (…) da lei e da ordem”? O que seria então “lei e ordem”?

Para isso, notemos que o §1º do Art. 142 da Constituição prevê que Lei Complementar estabelecerá as normas gerais a serem adotadas na organização, preparo e no emprego das Forças Armadas. Sobreveio então a promulgação da Lei Complementar n. 97/1999, a qual descreve os modelos de emprego das Forças Armadas, que em seu artigo 15, §2° estabelece o seguinte:

Art. 15. O emprego das Forças Armadas na defesa da Pátria e na garantia dos poderes constitucionais, da lei e da ordem, e na participação em operações de paz, é de responsabilidade do Presidente da República, que determinará ao Ministro de Estado da Defesa a ativação de órgãos operacionais, observada a seguinte forma de subordinação:

§ 2o A atuação das Forças Armadas, na garantia da lei e da ordem, por iniciativa de quaisquer dos poderes constitucionais, ocorrerá de acordo com as diretrizes baixadas em ato do Presidente da República, após esgotados os instrumentos destinados à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, relacionados no art. 144 da Constituição Federal.

     § 3o Consideram-se esgotados os instrumentos relacionados no art. 144 da Constituição Federal quando, em determinado momento, forem eles formalmente reconhecidos pelo respectivo Chefe do Poder Executivo Federal ou Estadual como indisponíveis, inexistentes ou insuficientes ao desempenho regular de sua missão constitucional.                        (Incluído pela Lei Complementar nº 117, de 2004)

O artigo 144 da Constituição Federal, por sua vez, estabelece que:

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: I – polícia federal; II – polícia rodoviária federal; III – polícia ferroviária federal; IV – polícias civis; V – polícias militares e corpos de bombeiros militares.VI – polícias penais federal, estaduais e distrital. 

Veja que o artigo 144 da CF trata exclusivamente da segurança pública. Em outras palavras, o artigo 142 da Carta Magna só poderá ser usado quando as instituições elencadas no artigo 144 não forem suficientes para a preservação da ordem pública, e jamais para se impor a quaisquer dos poderes da União (Legislativo, Executivo ou Judiciário).

Qualquer interpretação diversa, com todo respeito, é apenas uma narrativa para se instaurar um Estado ditatorial, “dentro da legalidade”, o que por si só seria contraditório. Ditadura e legalidade não andam juntas.

FONTE:https://www.conjur.com.br/2020-jun-01/opiniao-artigo-142-constituicao

Artigo escrito pelo advogado de Lajeado
Caetano Bertinatti
OAB/RS 105.697