Entenda o que é Ictericia neonatal


A icterícia é um dos sinais mais frequentes no período neonatal e apresenta-se como a coloração amarelada da pele, esclera (olho) e membranas mucosas, indicando aumento da bilirrubina sérica com acúmulo de bilirrubina nos tecidos.
A icterícia aparece em cerca de 60% dos recém-nascidos (RN) a termo é 80% dos RN pré-termo na primeira semana de vida. A manifestação clínica da hiperbilirrubinemia se desenvolve, geralmente, quando o nível ultrapassa 5 mg/dL e, na maioria das vezes, reflete uma adaptação, considerada fisiológica, do metabolismo da bilirrubina no período de transição fetal para a vida neonatal. O que significa que a icterícia não necessita de nenhum tratamento e o amarelo da pele vai ir desaparecendo com o passar dos dias.
Entretanto, algumas vezes, decorre de um processo patológico, podendo alcançar concentrações elevadas e ser lesiva ao cérebro, instalando-se o quadro de encefalopatia bilirrubínica que, ao exame anatomopatológico, caracteriza-se por coloração amarelada dos gânglios da base, denominada kernicterus.
Embora, as doenças hemolíticas por incompatibilidade Rh e ABO sejam as principais condições associadas à encefalopatia bilirrubínica, nos últimos 20 anos um grande número de casos tem sido relatado em RN próximos ao termo (35-36 semanas) ou RN termo (37-41 semanas), que recebem alta hospitalar antes de 48 horas de vida sem acompanhamento adequado do estabelecimento da lactação e aleitamento materno, contribuindo para readmissões em leitos de hospitais pediátricos com elevados custos em saúde.
Apesar da hiperbilirrubinemia ocorrer em praticamente todo RN pré-termo, a encefalopatia bilirrubínica aguda não exibe um padrão clínico característico, o que dificulta o seu diagnóstico. Além disso, é difícil diferenciar a lesão do sistema nervoso central induzida pela bilirrubina dos outros fatores que contribuem para tal lesão nessa faixa de idade gestacional. Em especial, RN <32 semanas de idade gestacional não desenvolvem sinais clássicos de encefalopatia bilirrubínica aguda devido à provável mielinização incompleta dos neurônios.
A icterícia fisiológica decorre de limitações do metabolismo da bilirrubina, tanto pela sobrecarga de bilirrubina ao hepatócito e a menor capacidade de captação hepática, como também pela conjugação e excreção hepática deficientes. A sobrecarga de bilirrubina ao hepatócito sofre influência da produção e da circulação êntero-hepática aumentadas devido ao menor tempo de vida média das hemácias e à maior quantidade de hemoglobina do RN.
A circulação êntero-hepática é determinada pela escassa flora intestinal e pela maior atividade da enzima betaglicorunidase na mucosa do intestino, com consequente aumento e absorção da bilirrubina não conjugada pela circulação êntero-hepática e sobrecarga de bilirrubina ao hepatócito. Outros fatores como a captação, a conjugação e a excreção hepáticas deficientes da bilirrubina, nas primeiras semanas de vida, corroboram para a manifestação clínica da icterícia fisiológica.
A hiperbilirrubinemia indireta é denominada de fisiológica nos RN termo quando a manifestação clínica ocorre após 24 horas de vida, atingindo concentração de bilirrubina sérica em torno de 12mg/dL de BT, entre o terceiro e o quarto dias de vida.
A hiperbilirrubinemia indireta é detectada na grande maioria dos RN ≤ 34 semanas, sendo mais intensa e prolongada quando comparada à do RN termo, com concentrações de BT entre 10 e 12 mg/dL no quinto dia de vida. Quanto menor a idade gestacional maior é o risco de complicações neurológicas relacionadas à hiperbilirrubinemia.
Fatores de risco para ictericia neonatal:
− Icterícia nas primeiras 24-36 horas após o nascimento
− Incompatibilidade materno-fetal Rh (antígeno D), ABO ou antígenos irregulares
− IG de 35, 36 e 37 semanas (independentemente do peso ao nascer)
− Clampeamento de cordão umbilical 60 segundos após o nascimento
− Aleitamento materno com dificuldade ou perda de peso > 7% em relação ao peso de nascimento
− Irmão com icterícia neonatal tratado com fototerapia
− Presença de céfalo-hematoma ou equimoses
− Descendência asiática
− Mãe diabética
− Sexo masculino
− BT sérica ou transcutânea na zona de alto risco (> percentil 95) ou intermediária superior (percentis 75 a 95) antes da alta hospitalar
IMPORTANTE: Otimizar o aleitamento materno nos recém- -nascidos saudáveis com contato pele a pele e estímulo ao aleitamento na sala de parto na primeira hora de vida é uma estratégia efetiva, simples e econômica para evitar a hiperbilirrubinemia significante.
A hiperbilirrubinemia indireta prolongada, desde que afastadas doenças hemolíticas, deficiência de G-6-PD e hipotireoidismo congênito, pode ser decorrente da Síndrome da Icterícia do Leite Materno que é aparente desde a primeira semana de vida com persistência por duas a três semanas, podendo chegar ao 3º mês. Nessa síndrome chama atenção o bom estado geral do RN e o ganho de peso adequado. E o RN não adquire níveis de bilirrubina que indiquem necessidade de tratamento (fototerapia)
A icterícia por hiperbilirrubinemia indireta apresenta progressão céfalo-caudal. Classicamente em RN termo, a constatação de icterícia na face (zona 1) está associada a valores de BI que variam de 4 a 8 mg/dL enquanto a presença de icterícia da face até o umbigo (zona 2) corresponde a valores de 5 a 12 mg/dL, podendo alcançar os joelhos (zona 3) com níveis de BI superior a 15 mg/dL. A avaliação visual da icterícia não é confiável, principalmente sob luz artificial e após o início da fototerapia.
Dois métodos são usados para determinar o nível de BT: o invasivo com dosagem sérica da bilirrubina, considerada o padrão ouro; e o não invasivo, cuja mensuração transcutânea é feita na pele do RN. . Já a determinação da bilirrubina total transcutânea é realizada no esterno do RN com equipamentos importados de custo elevado.
Em casos de icterícia prolongada é importante diferenciar se a icterícia é por aumento de bilirrubina direta ou indireta. Assim, na investigação deve-se, além de avaliar a coloração das fezes e da urina, colher BT e frações, tipo sanguíneo e o teste de Coombs da mãe e do RN, eritrograma, dosagem de G-6-PD, urocultura e triagem metabólica incluindo hormônios tireoidianos. Lembrar que a icterícia prolongada pode ser a única manifestação do hipotireoidismo congênito, pois o hormônio tireoidiano é um indutor da atividade da glicuroniltransferase.
Ressalta-se que a icterícia colestática é sempre patológica e indica disfunção hepatobiliar. Portanto, a presença de hiperbilirrubinemia direta, fezes acólicas ou hipocoradas e urina escura indicam investigar hepatite ou obstrução das vias biliares. O diagnóstico precoce da atresia de vias biliares é fundamental para que a cirurgia seja realizada em tempo hábil, ou seja, antes de 6 semanas de vida para o melhor prognóstico do paciente.
IMPORTANTE: Sempre que houver fatores de risco epidemiológicos e/ou clínico-laboratoriais para hiperbilirrubinemia significante deve-se ponderar o risco e o benefício da alta hospitalar, tendo como principal objetivo evitar a re-internação e o risco de neurotoxicidade decorrente da progressão da icterícia.
A terapia de escolha para a hiperbilirrubinemia indireta é a fototerapia, e em alguns casos raros há a necessidade de associar ao tratamento à exsanguineotransfusão, que diminui muito a necessidade/indicação com a melhora dos aparelhos de fototerapia e a terapia com imunoglobulina.
O mecanismo da ação da fototerapia consiste na degradação da bilirrubina ao utilizar a energia luminosa absorvida pela epiderme e pelo tecido subcutâneo do RN. Sob a ação da luz, em especial no espectro de onda azul, a bilirrubina sofre reação fotoquímica com a formação de fotoisômeros configuracionais e estruturais, além de elementos foto-oxidantes, que são eliminados pela urina ou bile sem modificações metabólicas.
Quanto maior a superfície corpórea exposta à luz, mais rápida é a queda da BT. Assim, em RN que podem evoluir para hiperbilirrubinemia significante, utilizar fototerapia dupla com emissão de irradiância na parte anterior e dorsal do RN para otimizar a eficácia e diminuir a necessidade de EST.
O tempo de aplicação da fototerapia depende da etiologia da icterícia, da idade gestacional, da idade pós-natal e do equipamento utilizado. Em média um RN ≥35 semanas sem doença hemolítica permanece em fototerapia em torno de 24 a 36 horas. Vale lembrar que os valores são baseados em tabelas onde os mesmos aumentam até o 5º dia de vida.
A encefalopatia bilirrubínica crônica, denominada de Kernicterus, é prevenível, já a hiperbilirrubinemia significante é prevenível e tratável. As estratégias para a prevenção da encefalopatia bilirrubínica são realizadas em duas etapas: a primeira requer o conhecimento dos fatores de risco e o manejo adequado da hiperbilirrubinemia na primeira semana de vida; e a segunda, requer a rápida atuação terapêutica com fototerapia intensiva na maior superfície corpórea imediatamente após a suspeita da hiperbilirrubinemia significante.
Contéudo escrito pela pediatra de Lajeado, Carolina Krein
contato do consultório 3709-1881

